segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Golpe de Azar

A polícia estava acampada na sala de sua casa. Tudo estava uma imensa bagunça. “Nada disso teria acontecido se ela não tivesse ido a pé”, era o que pensava Roberto naquele momento, em meio aos bipes dos aparelhos de rastreamento e o chiado ininterrupto dos processadores de alta tecnologia funcionando.

Roberto era presidente de uma das maiores empresas de informática de São Paulo, especializada em segurança de redes. Possuía doutorado em segurança avançada de sistemas complexos de informações, por isso era muito procurado por empresas de segurança de todos os lugares do mundo e, também por isso, possuía um grande patrimônio financeiro, o que acabava atraindo a atenção de mafiosos e ladrões de médio porte.

Roberto tinha duas filhas. A mais nova, Rosana, estava no colo da mãe, dormindo, mesmo com tanto barulho, no quarto especialmente decorado, rosa, cheio de brinquedos novos. A mais velha, Fernanda, era o motivo de toda aquela anarquia.

Fernanda era inteligente, simpática e muito atraente. Tinha longos cabelos escuros, muito bem tratados, olhos verde-claro e um sorriso que era de uma paz inexplicável. Era meiga, tinha seios naturalmente lindos e porte de mulher. Talvez isso tenha atraído a atenção dos sequestradores também, mas não é tão provável. O crime foi visivelmente muito bem estudado, afinal, não era qualquer Fernanda, era Fernanda Assunção, filha do famoso Roberto Assunção, dono de uma grande fortuna.

Até as sete horas da manhã deste mesmo dia, a moça não tinha noção de que sua vida fosse levar um rumo tão assustador. Tomou seu café da manhã com suco de laranja e torrada com manteiga como fazia todos os dias. Tomou seu banho morno de sempre, com sabonete líquido e uma daquelas esponjas engraçadas dignas de propaganda de sabonete da Xuxa, usou o condicionador de sempre e secou-se com sua toalha de sempre que, como sempre, era rosa. Escovou os dentes com a escova de sempre e beijou a testa do pai, em sinal de bom dia, como sempre. Mas um simples detalhe mudaria sua vida para sempre. Naquele dia, Fernanda não pegou carona com o pai, como sempre fazia. Naquele dia, resolvera ir a pé, queria mudar os hábitos.

Mal sabia ela que um grupo de mentes maquiavélicas estavam à sua espreita, vigiando cada passo seu e, ao distanciar-se o necessário, matilha, que naquele dia tinha o acaso a seu favor, entrou em ação.

O Opala Preto, cena clichê, a seguia de longe; aqueles belos passos, sensuais e vagarosos. O som dos seis cilindros aumentava a adrenalina dos três sujeitos com trajes a la Pulp Fiction, a balada no mp3 player novinho distraía no caminho solitário.

'É hora de agir', diz o motorista e o Opalão preto 83' ruge como um leão pronto a abater sua presa. O barulho do dimensionado é tal que assusta até aos pássaros no grande Ipê roxo logo à frente. Quando Fernanda se dá por conta, já está na barriga do feroz predador, com uma silver tape na boca e o nariz ardendo, culpa do clorofórmio. Foi o tempo de abrir os olhos e apagar novamente. Quando deu por si, estava dentro de um quarto escuro, já sem a fita e com as mãos livres. Os homens a mantiveram assim, para que pudesse comer. Afinal, são homens, não torturadores, apesar de sequestradores.

Na sala mais ao lado, papel e caneta na mão, um dos homens escrevia um recado. Não podia usar um computador, nem transmitir dados via rede, pois a vítima em questão era filha de um hacker, um hacker legalizado, digamos assim.

O jeito era fazer à mão, mesmo.

“Estamos com a sua filha. Por enquanto não se preocupe, tudo depende de você. Queremos U$1.500.000. Não chame a polícia. Logo receberá instruções”.

* * *

O choro da filha acorda Roberto. Não teve um sono muito tranquilo.

- Alguma novidade, detetive?

- Não, Senhor. Nada ainda.

Neste exato momento, o telefone da casa toca. Todos tomam suas posições rapidamente, enquanto Roberto se dirige ao telefone para atendê-lo, dando tempo para que a polícia se posicione nos aparelhos.

- O senhor não fala nada, agora só escuta, ok?

- O senhor vai se dirigir até a Praça da Sé e, chegando lá, vai procurar uma pasta dentro de uma lata de lixo próxima ao marco zero. Dentro desta pasta vão estar as próximas instruções.

Quando o telefone desliga, a tensão toma conta do ambiente. Ninguém sabe o que se pode esperar de um sujeito como esse.

Dentro da pasta estava um celular, um bilhete e o mp3 player de Fernanda, como prova de que eles estavam com ela.

O bilhete era claro. Roberto devia depositar o dinheiro na conta inscrita e esperar. Quando fosse confirmado o pagamento, ele receberia uma ligação informando o próximo passo.

Fernanda estava com frio, sentia medo e não havia conseguido comer a gororoba que ofereceram a ela. Era uma mistura de restos de comida requentados e um copo de água da torneira, sem muito luxo. Era o que tinha. Afinal, se tivessem em condições, não estavam sequestrando-a. Seu colchão era fino como uma palha, a cama rangia.

Os homens haviam feio uma abertura na porta para que pudessem manter contato quando necessário.

Na sala, os homens discutiam se tudo iria funcionar corretamente. O chefão ainda não havia entrado em contato, então estavam ociosos. Começavam a ficar apreensivos.

Mas haviam cometido um erro, pegaram o cara errado. Roberto não tinha medo, era confiante, não havia chegado onde chegou a troco de nada. Sabia que os homens não matariam sua filha, pois ele os acharia. Ele tinha tudo planejado. Demoraria para efetuar o pagamento e o sequestrador ligaria de volta.

E foi o que aconteceu, meia hora depois um homem liga para a casa de Roberto e pergunta pelo pagamento. Roberto diz que está difícil, que é complicado arranjar tal quantia tão rapidamente. Os bancos são muito burocráticos. E nesse papo longo, o homem acaba colocando os pés pelas mãos; a ligação se estende e a polícia consegue um endereço.

Dez minutos depois, a casa está cercada por duas Ford Ranger Turbo pretas, quatro viaturas Vectra 2.2, robustos, veículo especial do pessoal de operações especiais da região. Na garagem da casa, um Opala preto, modelo 250 SS, vidros negros, aros 20” também pretos; seria um leão bravo, não fosse pela cor. Em poucos segundos a galera da especial já estava dentro da casa. No quarto, uma linda garota mal tratada pelo medo. Apavorada e cansada, querendo o afago do pai e a cama quentinha. Na geladeira, um bilhete: “Subestimei você. Nos falaremos em breve.”.

- Parece que perdemos aquele carango, não é pessoal?

- É, parece que sim.

A 4x4 gabinada parecia devorar o asfalto quente que era iluminado pelo avermelhado pôr-do-sol. A imponente figura de madeixas loiras ao volante, de seios fartos e coxas fortes, saia de couro e jaqueta e botas pretas, que intimidava os três rapazes, era naquele momento de uma tranquilidade absoluta. A estrada era longa, muitos planos ainda precisavam ser feitos...


Matheus Machado Fonseca



Conto produzido para a disciplina de Leitura e Produção de Textos II - Narrativa policial.